quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Peabiru - Rota Inca do Pacífico ao Atlantico



Os peabiru (na língua tupi, "pe" – caminho; "abiru" - gramado amassado) são antigos caminhos, utilizados pelos indígenas sul-americanos desde muito antes do descobrimento pelos europeus, ligando o litoral ao interior do continente. A designação Caminho do Peabiru foi empregada pela primeira vez pelo jesuíta Pedro Lozano em sua obra "História da Conquista do Paraguai, Rio da Prata e Tucumán", no início do século XVIII.

O principal destes caminhos, denominado como Caminho do Peabiru, constituía-se em uma via que ligava os Andes ao Oceano Atlântico, mais precisamente Cusco, no Peru, ao litoral na altura da Capitania de São Vicente (atual estado de São Paulo), estendendo-se por cerca de três mil quilômetros, atravessando os territórios dos atuais Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil.

Em território brasileiro, um de seus troços ou ramais era a chamada Trilha dos Tupiniquins, no litoral de São Vicente, que passava por Cubatão e por São Paulo, em lugares posteriormente conhecidos como o Pátio do Colégio, rua Direita, cruzava o Vale do Anhangabaú, seguia pelo traçado que hoje é das avenidas Consolação e Rebouças e cruzava o rio Pinheiros1 ; outro partia de Cananeia; troços adicionais partiam do litoral dos atuais estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Em 1524, o náufrago português Aleixo Garcia sob o comando de Vasco da Gama, numa expedição integrada por dois mil indígenas carijós, partindo da Ilha de Santa Catarina ("Meiembipe"), percorreu essa via para saquear ouro, prata e estanho, tendo atingido o território do Peru, no Império Inca, nove anos antes da invasão espanhola dos Andes em 1533.

Outros relatos dão conta de que Martim Afonso de Sousa, fundador da Vila de São Vicente, só se fixou naquele trecho do litoral porque, de antemão, dispunha de informações de que, dali se teria acesso ao caminho que o levaria às minas do Potosí, na Bolívia, e aos tesouros dos incas. Por sua determinação, uma expedição partiu de Cananeia (litoral Capitania de São Vicente), em 1531, com o mesmo destino, sob o comando de Pero Lobo, tendo Francisco das Chaves como guia. Seguindo por um antigo caminho indígena que entroncava com o Caminho do Peabiru, esta expedição desapareceu, chacinada pelos indígenas Guaranis, nas proximidades de Foz do Iguaçu, quando da travessia do Rio Paraná.

O espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca acompanhou um de seus troços, tendo descoberto, em 1542, as Cataratas do Iguaçu. Na mesma época, o aventureiro Ulrich Schmidl percorreu-o em 1553. Os jesuítas batizaram esse caminho de Caminho de São Tomé, tendo-o utilizado nas suas atividades de evangelização e aldeamento de indígenas, na região do Rio Paraná, ainda em meados do século XVI. No século XVII, bandeirantes paulistas, como Antônio Raposo Tavares, trilharam essa via para atacar as missões jesuíticas.

O caminho tinha diversas ramificações utilizadas pelos guaranis que, através delas, se deslocavam pelas diversas partes do seu território, mantendo em contato as tribos confederadas através de uma espécie de correio rudimentar chamado parejhara que ligava o norte e o sul do Brasil, da Lagoa dos Patos até a Amazônia.

Segundo a tradição desse povo, o caminho não foi aberto por eles, que atribuem a sua construção ao ancestral civilizador Sumé, que teria criado a rota no sentido leste-oeste.

Pesquisas iniciadas no século XIX pelo Barão de Capanema levaram à formulação da hipótese de o caminho ter sido criado pelos incas numa tentativa de trazer a sua cultura até os povos da costa do Oceano Atlântico, abrindo o caminho no sentido oeste-leste, portanto. Como apoio a essa linha refere-se o testemunho de mais de um cronista de que os incas chamavam seu território de Biru. Desse modo, a denominação do caminho poderia resultar do híbrido pe-biru, que equivaleria a "caminho para o Biru". Embora não existam informações acerca da razão pela qual o projeto inca não foi levado a cabo, entre as evidências de sua presença em território brasileiro, cita-se o correio dos guarani.

Restam ainda, em pontos isolados de mata e em algumas localidades, reminiscências desse caminho, que se caracterizava por apresentar cerca de 1,40 metro de largura e leito com rebaixamento médio em relação ao nível do solo de cerca de 40 centímetros, recoberto por uma gramínea denominada puxa-tripa. Nos seus trechos mais difíceis, o caminho chegava a ser pavimentado com pedras. Em alguns trechos,era sinalizado com inscrições rupestres, mapas e símbolos astronômicos de origem indígena.

Na década de 1970, uma equipe coordenada pelo professor Igor Chmyz, da Universidade Federal do Paraná, identificou cerca de trinta quilômetros remanescentes da trilha na área rural de Campina da Lagoa, no estado do Paraná. Ao longo desse trecho, foram ainda identificados sítios arqueológicos com vestígios das habitações utilizadas, provavelmente, quando os indígenas estavam em trânsito. Mais recentemente, essa universidade vinha desenvolvendo trabalhos para torná-los atração turística, a exemplo do Projeto Estrada Real, em Minas Gerais.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Indios Brasileiros - Mitologia Cosmogonia Tupi-Guarani



A observação do céu sempre esteve na base do conhecimento de todas as sociedades do passado, submetidas em conjunto ao desdobramento cíclico de fenômenos como o dia e a noite, as fases da Lua e as estações do ano. Os indígenas há muito perceberam que as atividades de caça, pesca, coleta e lavoura estão sujeitas a flutuações sazonais e procuraram desvendar os fascinantes mecanismos que regem esses processos cósmicos, para utilizá-los em favor da sobrevivência da comunidade.

Diferentes entre si, os grupos indígenas tiveram em comum a necessidade de sistematizar o acesso a um rico e variado ecossistema de que sempre se consideraram parte. Mas não bastava saber onde e como obter alimentos. Era preciso definir também a época apropriada para cada uma das atividades de subsistência. Esse calendário era obtido pela leitura do céu. Há registros escritos sobre sua ligação com os astros desde a chegada dos europeus ao Brasil, mas é possível que se utilizassem desse conhecimento desde que deixaram de ser nômades.

É evidente, no entanto, que nem todos os grupos indígenas, mesmo de uma única etnia, atribuem idêntico significado a um determinado fenômeno astronômico específico, e a razão disso está no fato de cada grupo ter sua própria estratégia de sobrevivência. Além disso, considerando que não dependem, de maneira uniforme, de suas moradias, caça, pesca ou de trabalhos agrícolas, as constelações sazonais, por exemplo, oferecem aos distintos povos uma enorme diversidade de interpretação.

Para acessar essa cosmologia é preciso considerar, entre outros pontos, a localização física e geográfica de cada grupo, como os que habitam o litoral e o interior, ou diferentes latitudes. Junto à linha do Equador, por exemplo, não há muito sentido em referir-se às estações do ano em função de variação da temperatura local. Além de reduzidas, nem sempre essas oscilações refletem o que se pode caracterizar como verão ou inverno. O clima da região tropical é caracterizado, fundamentalmente, em função da maior ou menor abundância de chuvas.

Separados mas Iguais

Durante nossas pesquisas em etnoastronomia tupi-guarani, tivemos diálogos informais e realizamos observações do céu com pajés de todas as regiões brasileiras. Além disso, utilizamos documentos históricos que relatam diversos mitos, constelações e a importância da astronomia no cotidiano das famílias indígenas.

Das várias famílias do tronco lingüístico tupi, a tupi-guarani é a mais extensa em número e na distribuição geográfica de suas línguas, que são várias, do mesmo tronco. São encontrados grupos tupis-guaranis em todas as partes do Brasil, bem como na Guiana Francesa, Argentina, Paraguai, Bolívia e Peru.

O que nos incentivou a rea-lizar este trabalho de resgate da astronomia tupi-guarani foi perceber, em 1991, que o sistema astronômico dos tupinambá do Maranhão de 1612 é muito semelhante ao utilizado, atualmente, pelos guaranis do sul do Brasil, embora separados pelas línguas (tupi e guarani), pelo espaço (mais de 3 mil km, em linha reta) e pelo tempo (quase 400 anos).

As observações do céu que realizamos com os indígenas permitiram localizar a maioria das constelações tupinambá e de diversas outras etnias da família tupi-guarani. Verificamos que etnias diferentes - distintas culturalmente, como seria de se esperar - possuem um conjunto muito semelhante de conhecimentos astronômicos, utilizados para materializar tanto o calendário como os sistemas de orientação. Esse conjunto comum se refere, principalmente, ao Sol, Lua, Vênus, Via Láctea, e às constelações do Cruzeiro do Sul, Plêiades e das regiões do céu onde se situam Órion e Escorpião, constelações ocidentais que surgem, respectivamente no verão e no inverno, no hemisfério sul.

Além disso, algumas das constelações dos tupis-guaranis, utilizadas no cotidiano, são as mesmas de outros índios da América do Sul e dos aborígines australianos. É o caso da "Ema" e do "Homem Velho", que também foram relatadas pelo capuchinho francês Claude d\\`Abbeville. Em 1612, o missionário passou quatro meses entre os tupinambás do Maranhão, perto da linha do Equador. Seu livro "Histoire de la Mission de Pères Capucins en l\\`Isle de Maragnan et terres circonvoisins", publicado em Paris em 1614, é considerado uma das mais importantes fontes da etnografia dos tupis. Ele registrou o nome de cerca de 30 estrelas e constelações conhecidas pelos índios da ilha. Infelizmente, identificou apenas algumas delas. Sempre que nos referirmos aos extintos tupinambás, estaremos utilizando essa obra de d\\`Abbeville, onde ele afirma: "Poucos entre eles desconhecem a maioria dos astros e estrelas de seu hemisfério; chamam-nos todos por seus nomes próprios, inventados por seus antepassados".

Astronomia e Biodiversidade

Os indígenas são profundos conhecedores do seu ambiente, plantas e animais, nomeando as várias espécies. Os tupis-guaranis, por exemplo, associam as estações do ano e as fases da Lua com o clima, a fauna e a flora da região em que vivem. Para eles, cada elemento da Natureza tem um espírito protetor. As ervas medicinais são preparadas obedecendo a um calendário anual bem rigoroso.
Em 1758, na 10ª edição de seu livro Systema naturae, o botânico e médico sueco Karl von Linné (1707-1778) classificou todos os seres vivos até então conhecidos com as noções de gênero e espécie. Ele incluiu 39 espécies (14 mamíferos, 15 aves, 2 répteis e 8 peixes) das 1.370 catalogadas pelo astrônomo alemão Georg Marcgrave (1610 -1644), considerado o primeiro naturalista a estudar a fauna brasileira. Linné considerou os índios guaranis como "primus verus systematicus", dando, assim, o devido crédito à contribuição intelectual desta etnia à ciência da sistemática ou taxonomia, por cuja criação ele é internacionalmente reconhecido.

Os tupis-guaranis, em virtude da longa prática de observação da Lua, conhecem e utilizam suas fases na caça, no plantio e no corte da madeira. Eles consideram que a melhor época para essas atividades é entre a lua cheia e a lua nova (lua minguando), pois entre a lua nova e a lua cheia (lua crescendo) os animais se tornam mais agitados devido ao aumento de luminosidade. Certa noite de lua crescente estava observando as constelações com os guaranis na ilha da Cotinga, Paraná.

De repente, um deles me disse que seria melhor observarmos quando não houvesse Lua. Rapidamente, com meu conhecimento ocidental, respondi que estava de acordo, pois o brilho da Lua ofuscava o brilho das estrelas, embora conseguíssemos enxergar bem a Via Láctea. Ao que ele retrucou dizendo que, na realidade, o que o incomodava era a quantidade de mosquitos, muito menor quando não há Lua. Nunca havia percebido essa relação, que de fato existe, entre as fases da lua e a incidência de mosquitos.

Os guaranis que atualmente habitam o litoral também conhecem a relação das fases da Lua com as marés. Além disso, associam a Lua e as marés às estações do ano (observação dos astros e dos ventos) para a pesca artesanal. Segundo eles, o camarão é mais pescado entre fevereiro e abril, na maré alta de lua cheia, enquanto a época do linguado é no inverno, nas marés de quadratura (lua crescente e lua minguante). Em geral, quando saem para pescar, seja no rio ou no mar, os guaranis já sabem quais as espécies de peixe mais abundantes, em função da época do ano e da fase da Lua.

Até o ritual do "batismo" (nimongarai ou nheemongarai, em guarani), em que as crianças recebem seu nome, depende de um calendário luni-solar e da orientação espacial: o plantio principal do milho (avaxi) ocorre, geralmente, na primeira lua minguante de agosto. Após a colheita do milho plantado nessa época é que realizam o batismo das crianças. Esse evento deve coincidir com a época dos "tempos novos", caracterizada pelos fortes temporais de verão, geralmente o mês de janeiro. O nome dado à criança guarani vem de uma das cinco regiões celestes: zênite, norte, sul, leste e oeste. Cada região possui nomes típicos, representando a origem das crianças.
A astronomia envolveu todos os aspectos da cultura indígena. O caráter prático dos seus conhecimentos pode ser reconhecido na organização social e em condutas cotidianas que eram orientadas por rituais cujas datas eram definidas pelas posições dos astros.
A comunidade científica conhece muito pouco da astronomia indígena e da sua relação com o ambiente, patrimônio que pode ser perdido em uma ou duas gerações pelo rápido processo de globalização, que tende a homogeneizar as culturas e assim perder as nuances da diversidade. Esse risco ocorre, também, pela falta de pesquisa de campo e pelas dificuldades em documentar, avaliar, validar, proteger e disseminar os conhecimentos astronômicos dos indígenas do Brasil. Atualmente, há um grande interesse internacional na proteção e conservação do conhecimento tradicional e de práticas ancestrais de indígenas e das comunidades locais, para a conservação da biodiversidade.

O Sol e os Pontos Cardeais

Para os tupis-guaranis o Sol é o principal regulador da vida na Terra e tem grande significado religioso. Todo o cotidiano deles está voltado para a busca da força espiritual do Sol. Os guaranis, por exemplo, nomeiam o Sol de Kuaray, na linguagem do cotidiano e de Nhamandu, na espiritual.

Os tupis-guaranis determinam o meio-dia solar, os pontos cardeais e as estações do ano utilizando o relógio solar vertical, ou gnômon, que na língua tupi antiga, por exemplo, chamava-se Cuaracyraangaba. Ele é constituído de uma haste cravada verticalmente em um terreno horizontal, da qual se observa a sombra projetada pelo Sol. Essa haste vertical aponta para o ponto mais alto do céu, chamado zênite. O relógio solar vertical foi utilizado também no Egito, China, Grécia e em diversas outras partes do mundo.

Na cosmogênese guarani, Nhanderu (Nosso Pai) criou quatro deuses principais que o ajudaram na criação da Terra e de seus habitantes. O zênite representa Nhanderu e os quatro pontos cardeais representam esses deuses. O Norte é Jakaira, deus da neblina vivificante e das brumas que abrandam o calor, origem dos bons ventos. O Leste é Karai, deus do fogo e do ruído do crepitar das chamas sagradas. No Sul, Nhamandu, deus do Sol e das palavras, representa a origem do tempo-espaço primordial. No Oeste, Tupã, é deus das águas, do mar e de suas extensões, das chuvas, dos relâmpagos e dos trovões.
O calendário guarani está ligado à trajetória aparente anual do Sol e é dividido em tempo novo e tempo velho (ara pyau e ara ymã, respectivamente, em guarani). Ara pyau é o período de primavera e verão, sendo ara ymã o período de outono e inverno.

O dia do início de cada estação do ano é obtido através da observação do nascer ou do pôr-do-sol, sempre de um mesmo lugar, por exemplo, da haste vertical. O Sol sempre nasce do lado leste e se põe do lado oeste.

No entanto, somente nos dias do início da primavera e do outono, o Sol nasce exatamente no ponto cardeal Leste e se põe exatamente no ponto cardeal Oeste. Para um observador no Hemisfério Sul, em relação à linha leste-oeste, o nascer e o pôr-do-sol ocorrem um pouco mais para o norte no inverno e um pouco mais para o sul no verão. Utilizando rochas, por exemplo, para marcar essas direções, os tupis-guaranis materializavam os quatro pontos cardeais e as direções do nascer e do pôr-do-sol no início das estações do ano.

Lua e as Marés

Para os tupis-guaranis, a Lua (Jaxi, em guarani), principal regente da vida marinha, é considerada do sexo masculino, o irmão mais novo do Sol. A primeira unidade de tempo utilizada pelos tupis-guaranis foi o dia, medido por dois nasceres consecutivos do Sol. Depois veio o mês (também chamado jaxi), determinado a partir de duas aparições consecutivas de uma mesma fase da Lua. Os tupis-guaranis consideravam essa fase como sendo o primeiro filete da Lua que aparecia do lado oeste, ao anoitecer, depois do dia da lua nova (jaxy pyau), dia em que a Lua não é visível por se encontrar muito próxima da direção do Sol.

Além de serem utilizadas como calendário mensal, as fases da Lua serviam para orientação geográfica, pois a Lua brilha por refletir a luz do Sol, ficando a sua parte iluminada no lado em que se encontra o Sol. Entre a lua nova e a lua cheia (jaxy guaxu) o hemisfério iluminado aponta para o lado oeste, enquanto entre a lua cheia e a lua nova, a indicação é do lado leste. As fases da Lua também permitiam obter as horas da noite: o primeiro filete, depois da lua nova, aparece ao anoitecer, do lado oeste, e desaparece minutos depois, a lua crescente (jaxy endy mbyte) aparece desde o anoitecer até meia-noite, a lua cheia do pôr-do-sol ao nascer-do-sol e a lua minguante (jaxy nhenpytu mbyte) fica visível da meia-noite ao amanhecer.

Segundo d\\`Abbeville, "os tupinambás atribuem à Lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois". Assim, mesmo antes dos europeus, os tupinambás já sabiam que perto dos dias de lua nova e de lua cheia as marés altas são mais altas e as marés baixas são mais reduzidas do que nos outros dias do mês. O conhecimento da periodicidade das marés antes dos europeus pode ser explicado em virtude de a relação entre as marés e as fases da Lua ser melhor observada entre os trópicos, região em que se localiza a maior parte do Brasil.

Eclipses e o Fim do Cosmos

Os eclipses sempre espalharam terror por transformarem em caos a ordem de repetição do Cosmos, de eterno retorno. Aparentemente, diversos povos antigos podiam prever esses fenômenos. Mas, por falta de registros, não conhecemos os métodos por eles utilizados. Os tupis-guaranis também observavam os movimentos do Sol e da Lua e se preocupavam em prever os eclipses.

Um dos mitos tupi-guarani sobre o fenômeno relata que a onça (xivi, em guarani) sempre persegue os irmãos Sol e Lua. Na ocasião do eclipse solar (kuaray onheama) ou do lunar (jaxy onheama), os indígenas fazem a maior algazarra, com o objetivo de espantar a Onça Celeste, pois acreditam que o fim do mundo ocorrerá quando a ela devorar a Lua, o Sol e os outros astros, fazendo com que a Terra caia na mais completa escuridão.

No céu, a cabeça da onça desse mito indígena é representada pela estrela vermelha Antares, da constelação zodiacal do Escorpião, e pela estrela Aldebaran, também vermelha, da constelação zodiacal do Touro. Essas duas constelações ficam no zodíaco onde, observados da Terra, passam o Sol, os planetas e a Lua. Assim, de fato, pelo menos uma noite por mês e um dia por ano, a Lua e o Sol, respectivamente, aproximam-se de Antares e de Aldebaran.

Os antigos astrônomos não sabiam que era a Terra que orbitava em torno do Sol (movimento de translação). Ao nascer e ao pôr-do-sol, observavam que a posição do Sol mudava, dia a dia, em relação às estrelas fixas, em um movimento cíclico de um ano. Perceberam que os eclipses solares e lunares ocorriam apenas quando a Lua estava próxima a essa trajetória do Sol entre as estrelas, no céu. Devido a esta relação com os eclipses, denominaram essa trajetória aparente do Sol de eclíptica. O mito sobre os eclipses demonstra o grande conhecimento empírico de astronomia dos tupis-guaranis.

As Crateras Lunares
Lua, irmão do Sol, entrava tateando no escuro, no quarto da irmã de seu pai, com a intenção de fazer amor com ela. Para saber quem a importunava todas as noites, sua tia lambuzou os dedos com resina e de noite, enquanto Lua a procurava, passou a mão em sua face.

No dia seguinte, bem cedo, Lua foi lavar a face para retirar a resina. No entanto, a substância não saiu, e ele ficou mais sujo ainda. Por esse motivo, Lua tem sempre a face manchada.

Desde então, a lua nova lava seu rosto, fazendo chover para tentar tirar as manchas de resina, que ficam mais visíveis quando ela se torna cheia. Esta fábula ensina aos tupis-guaranis que não devem cometer incesto.

A Mulher da Lua

O planeta Vênus era muito observado pelos tupis-guaranis por ser, depois do Sol e da Lua, o objeto mais brilhante do céu. Vênus era utilizado principalmente para orientação, por ser visto pouco antes do nascer ou logo após o pôr-do-sol, sempre próximo ao Sol. Os indígenas pensavam que se tratava de duas estrelas que apareciam em períodos diferentes: a estrela matutina (kaaru mbija), que chamamos de estrela D\\`alva, e a vespertina (ko\\`e mbija), que chamamos de Vésper, cada uma delas visível por cerca de 263 dias.

Os tupis-guaranis chamam o planeta Vênus, quando aparece como estrela vespertina, de "Mulher da Lua". Eles contam que a mulher da Lua é muito linda, vaidosa e nunca envelhece. Ela só fica ao lado do seu marido enquanto ele é jovem, afastando-se dele à medida que fica mais velho.

Ao anoitecer, no dia seguinte à lua nova, os dois astros se encontram bem próximos, no lado oeste. Nas noites seguintes, a Lua vai crescendo e se distanciando de Vênus. Na crescente, Vênus continua aproximadamente no mesmo lugar, mas a Lua se encontra no alto do céu, perto da linha norte-sul. Na lua cheia, ao anoitecer, a Lua está no lado leste e sua mulher, bem afastada, no lado no oeste. Na lua minguante, Vênus e a Lua não são mais visíveis ao mesmo tempo. Na lua nova, o ciclo recomeça.

Esse mito, que pode ser considerado uma maneira alternativa de explicar as fases da Lua, nos foi relatado pelos guaranis do Sul do Brasil e pelos tembés do Norte do país, duas etnias da família tupi-guarani que não têm contato entre si.

Constelações na Via Láctea
As constelações formam figuras imaginárias, criadas há mais de 6 mil anos para reunir grupos de estrelas (jaxy tatá), aparentemente próximas, visíveis a olho nu, tendo em vista que nomear cada uma delas era uma tarefa difícil. A maioria dos povos antigos observava as constelações ao anoitecer e as utilizavam como calendário e orientação. Cada cultura tinha as suas próprias constelações. As constelações dos tupis-guaranis diferem das concepções das sociedades exteriores ocidentais principalmente em três aspectos.

Primeiro, as principais constelações ocidentais registradas pelos povos antigos são aquelas que interceptam o caminho imaginário que chamamos de eclíptica, por onde aparentemente passa o Sol, e próximo do qual encontramos a Lua e os planetas. Essas constelações são chamadas zodiacais. As principais constelações indígenas estão localizadas na Via Láctea (Tapi\\`i Rape), a faixa esbranquiçada que atravessa o céu, onde as estrelas e as nebulosas aparecem em maior quantidade, facilmente visível à noite. A Via Láctea é conhecida como Caminho da Anta ou como a Morada dos Deuses pela maioria das etnias dos tupis-guaranis.

Os desenhos das constelações ocidentais são feitos pela união de estrelas. Mas, para os tupis-guaranis, as constelações são constituídas pela união de estrelas e, também, pelas manchas claras e escuras da Via Láctea, sendo mais fáceis de imaginar. Muitas vezes, apenas as manchas claras ou escuras, sem estrelas, formam uma constelação. Os guaranis chamam a Grande Nuvem de Magalhães de Bebedouro da Anta (Tapi\\`i Huguá) e a Pequena Nuvem de Magalhães de Bebedouro do Porco-do-Mato (Coxi Huguá).

O terceiro aspecto que diferencia as constelações Tupis-Guaranis das ocidentais está relacionado ao número delas conhecido pelos indígenas. A União Astronômica Internacional (UAI) utiliza um total de 88 constelações, distribuídas nos dois hemisférios terrestres, enquanto certos grupos indígenas já nos mostraram mais de 100 constelações, vistas de sua região de observação. Quando indagados sobre quantas constelações existem, os pajés dizem que tudo que existe no céu existe também na Terra, que nada mais seria do que uma cópia imperfeita do céu. Assim, cada animal terrestre tem seu correspondente celeste, em forma de constelação.

A Hora pelo Cruzeiro do Sul

O Cruzeiro do Sul (Curuxu) fica em plena Via Láctea, sendo a constelação mais conhecida dos habitantes do Hemisfério Sul. Ela é formada, em sua parte principal, por cinco estrelas, quatro delas representando uma cruz, e uma quinta fora do braço da cruz. Essas estrelas, pela ordem de brilho, são conhecidas, popularmente, como Magalhães, Mimosa, Rubídea, Pálida e Intrometida. Magalhães (a mais brilhante) e Rubídea (avermelhada) formam o braço maior da cruz; Mimosa e Pálida compõem o menor. A Intrometida (a mais apagada) não consta da representação dessa constelação pelos tupis-guaranis.

O Cruzeiro do Sul está próximo do Pólo Sul Celeste (PSC), prolongamento do eixo de rotação da Terra no nosso céu, parecendo girar em torno dele de leste para oeste, devido ao movimento de rotação da Terra de oeste para leste. Assim, dependendo do dia e da hora, a cruz pode estar de cabeça para baixo, deitada, inclinada ou em pé, sempre fazendo uma circunferência em torno do Pólo Sul Celeste.

A posição da constelação do Cruzeiro do Sul é utilizada pelos tupis-guaranis para determinar os pontos cardeais, o intervalo de tempo transcorrido durante a noite e as estações do ano. Quando a cruz se encontra em pé, o prolongamento do seu braço maior aponta para o ponto cardeal Sul. Olhando para o Sul, às nossas costas temos o Norte, à direita o Oeste e à esquerda, o Leste.

Tendo em vista que o Cruzeiro do Sul efetua uma volta completa em cerca de 24 horas, o tempo gasto, por exemplo, para ir da posição deitada até a posição em pé é de 6 horas. Assim, podemos determinar o intervalo de tempo transcorrido em uma noite observando duas posições do Cruzeiro do Sul.

O início de cada estação do ano é determinado pelos tupis-guaranis considerando a posição da cruz ao anoitecer: no outono ela fica deitada do lado esquerdo do Sul, isto é, para leste; no inverno, fica em pé apontando para o Sul; na primavera, ela se encontra deitada para o lado oeste e no verão de cabeça para baixo, abaixo da linha do horizonte, sendo visível somente após a meia-noite.

As Plêiades e a Chuva

As Plêiades (Eixu, em guarani) são um aglomerado de estrelas jovens, azuis, que se localizam na constelação ocidental do Touro. A olho nu, longe da iluminação artificial e sem Lua, podemos ver, normalmente, sete dessas estrelas e, por isso, as Plêiades são conhecidas, também, como as sete estrelas ou as sete irmãs. Muitas etnias indígenas utilizavam as Plêiades para construir seu calendário. Eles consideravam principalmente os dias do nascer helíaco, do nascer anti-helíaco e do ocaso helíaco das Plêiades.

Cerca de um mês por ano, as Plêiades não são visíveis porque ficam muito próximas da direção do Sol. O nascer helíaco das Plêiades ocorre perto do dia 5 de junho, o primeiro dia em que elas se tornam visíveis de novo, perto do horizonte, no lado leste, antes do nascer do sol. Esse dia marcava o início do ano.

Por volta do dia 10 de novembro, as Plêiades nascem logo após o pôr-do-sol, este dia recebe o nome de nascer anti-helíaco das Plêiades, pois o Sol se encontra no lado oeste e as Plêiades no lado leste. Perto de 1o de maio, acontece o ocaso helíaco das Plêiades, pois elas desaparecem do lado oeste, logo após o pôr-do-sol. Depois desse dia, elas não são mais visíveis à noite, até perto do dia 5 de junho quando ocorre, novamente, seu nascer helíaco. Pode-se admitir, então, um ano sideral, baseado no nascer helíaco das Plêiades.

Os tupinambás conheciam muito bem o aglomerado estelar das Plêiades e o denominavam "Seichu". Quando elas apareciam, afirmavam que as chuvas iam chegar, como chegavam, efetivamente, poucos dias depois. Como a constelação aparecia alguns dias antes das chuvas e desaparecia no fim para tornar a reaparecer em igual época, eles reconheciam perfeitamente o intervalo de tempo decorrido de um ano a outro. Da mesma maneira, atualmente para os tembés, que habitam o Norte do Brasil, o nascer helíaco das Plêiades anuncia a estação da chuva e o seu ocaso helíaco aponta a estação da seca. Para os guaranis, do Sul do país, o nascer helíaco das Plêiades anuncia o inverno, enquanto o ocaso helíaco indica a proximidade do verão.

É interessante observar que culturas diferentes, habitando regiões distintas e vivendo épocas desencontradas, utilizavam as Plêiades como calendário, mesmo considerando que seu nascer helíaco, nascer anti-helíaco e ocaso helíaco não correspondessem exatamente ao início das estações do ano. Pensamos que, além de sua beleza, outro motivo contribui para essa escolha: as Plêiades estão situa-das a cerca de quatro graus da eclíptica. Por isso, alguns de seus componentes são freqüentemente ocultos pela Lua e ocasionalmente pelos planetas do nosso Sistema Solar. Essas ocultações oferecem um belo espetáculo da Natureza, sendo observadas mesmo a olho nu.

A Constelação da Ema

Na segunda quinzena de junho, quando a Ema (Guyra Nhandu) surge em sua totalidade ao anoitecer, no lado leste, indica o início do inverno para os índios do sul do Brasil e o início da estação seca para os do norte.
A constelação da Ema (Rhea americana alba) se localiza numa região do céu limitada pelo Cruzeiro do Sul e Escorpião. Sua cabeça é formada pelo Saco de Carvão, nebulosa escura que fica próxima à estrela Magalhães. A Ema tenta devorar dois ovos de pássaro que ficam peerto de seu bico, representados pelas estrelas alfa Muscae e beta Muscae.

As estrelas alfa Centauro e beta Centauro estão dentro do pescoço da Ema. Elas representam dois ovos grandes que a Ema acabou de engolir. Uma das pernas da Ema é formada pelas estrelas da cauda de Escorpião. As manchas claras e escuras da Via Láctea ajudam a visualizar a plumagem da Ema.

Conta o mito guarani que a constelação do Cruzeiro do Sul segura a cabeça da Ema. Caso ela se solte, beberá toda a água da Terra e morreremos de seca e sede.

O Homem Velho

Na segunda quinzena de dezembro, quando o Homem Velho (Tuya\\`i) surge totalmente ao anoitecer, no lado leste, trata-se do início do verão para os índios do sul e o início da estação chuvosa para os do norte.

A constelação do "Homem Velho" é formada pelas constelações ocidentais do Touro e de Órion. A cabeça do Homem Velho é formada pelas estrelas do aglomerado estelar Híades, em cuja direção se encontra Aldebaran, a estrela mais brilhante da constelação do Touro, de cor avermelhada. Acima da cabeça do Homem Velho fica o aglomerado estelar das Plêiades, um penacho que ele tem amarrado à cabeça.

A estrela Bellatrix fica na virilha do Homem Velho, sendo que a estrela vermelha Beltegeuse representa o lugar em que sua perna foi cortada. O Cinturão de Órion (Três Marias) formado pelas estrelas Mintaka, Alnilam e Alnitak, representa o joelho da perna sadia. A estrela Saiph representa o pé da perna sadia. O braço esquerdo do Homem Velho é constituído por estrelas do escudo de Órion. Na sua mão direita ele segura um bastão para se equilibrar.

Conta o mito guarani que essa constelação representa um homem casado com uma mulher muito mais jovem do que ele. Sua esposa ficou interessada no irmão mais novo do marido e, para ficar com o cunhado, matou o marido, cortando-lhe a perna na altura do joelho direito. Os deuses ficaram com pena do marido e o transformaram em uma constelação.

Itacoatiara de IngáPode-se dizer que existem dois tipos principais de constelação indígena: uma relacionada ao clima, à fauna e à flora do lugar, conhecida pela maioria da comunidade e que regula o cotidiano da aldeia; a outra está relacionada aos espíritos indígenas, sendo conhecida, em geral, apenas pelos pajés e é mais difícil de visualizar. Os guaranis, por exemplo, chamam de Nhanderu a mancha escura que aparece perto da constelação ocidental do Cisne. O Deus Maior Guarani aparece sentado em seu banco sagrado, utilizando seu cocar divino e segurando o Sol e a Lua em suas mãos. Ele anuncia a primavera.


Às margens do rio Ingá, na Paraíba, existe um monólito de rocha gnaisse, duríssima, cuja superfície está recoberta por cerca de 500 inscrições de baixo-relevo, que muitos pesquisadores afirmam serem únicas no mundo, Trata-se da famosa Itacoatiara de Ingá, com cerca de 23 m de largura e 3 m de altura. Há várias hipóteses sobre a origem dos grafismos. A nossa é de que Itacoatiara de Ingá serviu de local para rituais religiosos relacionados a elementos astronômicos. Identificamos ali alguns espíritos da mitologia tupi-guarani, e supomos que o painel indica parte da Vila Láctea. Diversos pajés reconheceram alguns dos espíritos nas gravuras, puderam nomeá-los e localizá-los no céu.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

El Dorado - A Cidade Perdida da Amazônia




Durante quase 500 anos, os exploradores têm procurado em vão por uma cidade perdida, que agora, com o Google Earth, pode ter sido encontrada.

Desde a época dos conquistadores, a lenda de uma antiga civilização perdida no meio da floresta amazônica tem encantado centenas de exploradores e levou muitos à morte. Alguns chamavam o seu sonho de El Dorado. Outros, mais notavelmente o coronel Percy Fawcett, glorioso explorador britânico bigodudo (e modelo da vida real para Indiana Jones) nomeou-a de Cidade Z. Mas ninguém jamais voltou da Amazônia com provas concludentes de que tal lugar existiu.

Agora três cientistas chegaram perto de fazer isso. O jornal Antiquity publicou um relatório mostrando mais de 200 obras de terraplanagem maciça na bacia do Amazonas, perto da fronteira do Brasil com a Bolívia. Do céu, parece que uma série de figuras geométricas foram escavadas na terra, mas os arqueólogos e historiadores, que publicaram o relatório acreditam que essas formas são os restos de estradas, pontes, fossos, avenidas e praças que formaram a base para uma sofisticada civilização que abrange 155 milhas, o que poderia ter apoiado uma população de 60.000 pessoas. Os vestígios datam do 200 a 1283 D.C.

É uma surpreendente descoberta – que se baseia no trabalho arqueológico recente no Brasil e norte da Bolívia e na disponibilidade de imagens do Google Earth de seções desmatadas da Amazônia. Desde os anos 1980 antropólogos começaram a revelar indícios de civilizações avançadas que viveram na bacia Amazônica: o último desenvolvimento supera todos eles.

David Grann, autor de The Lost City of Z, acredita que a importância desta descoberta não pode ser exagerada. “Ela quebra as noções prevalecentes do que a Amazônia parecia antes da chegada de Cristóvão Colombo“, diz ele.

“Durante séculos, os cientistas assumiram que a selva era simplesmente uma armadilha mortal, um ‘paraíso contrafeito’, onde apenas pequenos, primitivos, tribos nômades existiram. Estas descobertas mostram que a Amazônia era, na verdade, o lar de uma grande civilização que antecedeu os incas e construiu uma sociedade extraordinariamente sofisticada com terraplenagem monumental.”

O sonho de encontrar civilizações perdidas da América do Sul tem persistido durante séculos, principalmente por causa dos dois primeiros sucessos que fizeram a terra tremer. Como John Hemming, ex-diretor da Royal Geographical Society, narra em seu livro de 1978, The Search For El Dorado, foram os conquistadores que começaram a mania. Em 1519 Hernán Cortés e seus soldados descobriram a cidade asteca de Tenochtitlán, no México. No início de 1530, Francisco Pizarro conquistou o império Inca, no que é agora o Peru. A idéia de uma “Cidade Dourada” em algum lugar mais profundo na floresta inexplorada foi apresentado no imaginário europeu e nunca mais foi esquecido.

Grann cita que em 1753 um bandeirante Português – um soldado da fortuna – emergiu da selva amazônica e descreveu como “depois de uma longa e perturbadora peregrinação, incitado pela ganância insaciável de ouro”, ele tinha visto as ruínas de uma antiga cidade no topo de uma montanha. O homem entrou na cidade, descobrindo “arcos de pedra, uma estátua, avenidas largas e um templo com hieróglifos“. O bandeirante escreveu: “As ruínas mostraram bem o tamanho e grandeza que deve ter havido lá e como populosa e opulenta deveia ter sido na época em que floresceu”.

Pouco antes da eclosão da primeira guerra mundial, Fawcett, que havia sido enviado em anteriores missões exploratórias à América do Sul pela Royal Geographical Society, leu o relatório do Bandeirante. Ele foi fisgado. Mas, quando ele estava preparando mapas para uma expedição para encontrar o que chamou de City of Z, a guerra interveio. Após o armistício, em 1918, ele tentou levantar fundos para uma expedição a Z e foi demitido como um maluco.

Fawcett – cujo lema de família era “Dificuldades que se dane” – não se intimidou. Em 1920, ele liderou uma missão caótica para encontrar a cidade perdida, que terminou quando ele teve que matar seu cavalo (em um local conhecido posteriormente como Dead Horse Camp). As expedições de Fawcett tinham muitas vezes esse teor amadorista. Ele era conhecido por deixar [tudo] para a selva carregando apenas uma mochila de 60lb e uma cópia do poema de Rudyard Kipling’s, The Explorer. Quando seu pequeno grupo foi emboscado pelos nativos, Fawcett disse ter ordenado aos seus homens para tocar instrumentos musicais e cantar “Soldados da Rainha”, enquanto as setas caiam em torno deles.

A excentricidade do explorador mascarava uma convicção cada vez mais fervorosa na existência de uma cidade perdida. Ele insistia, em suas súplicas por fundos à Royal Geographical Society, que eram “as mais notáveis relíquias de uma antiga civilização” na Amazônia. Depois de voltar de sua missão abortada em 1920, ele praguejou mais uma vez contra seus opositores. “It will of course come out”, escreveu ele, “que um Colombo moderno foi rejeitado na Inglaterra.”

Em 1925 Fawcett, próximo de ser destituído na época, partiu em sua segunda e última expedição para encontrar a cidade de Z. Ele escreveu à esposa: “Você não precisa ter medo de qualquer falha.” Mas ele nunca mais foi visto. Em 1927 ele foi declarado desaparecido pela Royal Geographical Society. Duas missões subsequentes tentaram encontrá-lo, mas sem sucesso.

Quase um século depois do desaparecimento de Fawcett, seus instintos parecem ter-se provado como corretos. “Embora ele esperace a cidade Z como construída de pedra, e apesar de até o final de sua vida, ele tenha tido uma noção mais fantástica do que seria adequado, estas descobertas mostram que ele foi, de muitas maneiras, extraordinariamente presciente”, diz Grann.

“De fato, durante seus anos de investigação, ele relatou uma descoberta muito semelhante: grandes montes de terra cheia de cerâmica antiga e frágil e de uma rede de interconexão de calçadas e estradas. Ele estava convencido de que havia ruínas que antecederam os incas e que a Amazônia tem sido o lar de assentamentos maciços, com sociedades sofisticadas e obras monumentais.”

Outros não estão convencidos. Hemming diz que, embora o papel na Antiguidade é “importante trabalho de gente séria… nada disso tem qualquer coisa a ver com o El Dorado ou com a racista e incompetente cabeça de Percy Fawcett. É como se alguém tentase ligar uma descoberta em Stonehenge, digamos, com viagens de Edward Lear nos Balcãs”.

Ambos os homens podem concordar que a recente descoberta é um grande avanço em nosso conhecimento da região. The breakthrough has been eight years in the making. Em 2002, Martti Parssinen, um historiador finlandês e arqueólogo, e um dos co-autores do relatório, foi chamado por um companheiro especialista, Alceu Ranzi, que tinha notado formas geométricas escavadas na terra durante o vôo sobre a Amazônia e que esperava que Parssinen fosse investigar essas formas com ele.

“Ele entendeu que não eram estruturas naturais”, lembra Parssinen. “Ele percebeu que elas devem ter sido feitas pelos povos indígenas.”

De acordo com Parssinen, Ranzi já tinha tentado recorrer a ajuda de cientistas nos Estados Unidos, mas a proposta foi recusada. “Eles simplesmente não acreditaram nele”, lembra Parssinen. “Mas eu percebi, por causa do trabalho que eu tinha feito na área, que esta poderia ser uma coisa muito importante. Foi muito emocionante receber esse telefonema. “

Foi ainda mais emocionante, diz Parssinen, para sobrevoar as áreas que Ranzi tinha notado. “Quando eu vi as formas, então, foi uma sensação incrível”, diz ele. “Todas as velhas teorias dizem que esta área da Amazônia só poderia ter suportado caçadores e coletores. Ninguém acreditava que uma grande civilização poderia ter existido lá. Percebemos que esta descoberta poderia mudar a história. “

Os autores publicaram um relatório em 2003 e então esperaram durante três anos a permissão para começar a escavar a área. A utilização de imagens de satélite Google Earth para localizar os locais exatos fez seu trabalho mais fácil do que o trabalho arqueológico anterior na região. Mas sua descoberta é, por qualquer medida, impressionante.

As implicações da descoberta são de grande alcance. “Esse é realmente o início de uma reavaliação da história. Estamos apenas começando a entender a Amazônia”, diz Parssinen.

Grann acredita que esta descoberta levará não apenas a uma reavaliação do potencial dos povos da Amazônia pré-Colombiana, mas também a um crescente interesse arqueológico na região. “Esta é apenas a ponta do iceberg”, diz ele. “Os autores do mais recente estudo estimam que os cientistas descobriram, nesta área específica, apenas 10% dos trabalhos de terraplenagem geométrica e ruínas que estão lá. Vai demorar décadas para os cientistas descobrir a extensão desta e de outras antigas civilizações da Amazônia.”

Igualmente, tem levado décadas para que o conceito de Fawcett seja revivido. Durante anos, seus únicos adeptos verdadeiros eram sua família, aqueles que o viam como o último dos grandes exploradores e ocultistas que acreditavam que Fawcett tinha desaparecido porque descobriu uma porta de entrada para uma nova dimensão. De fato, ainda existem aqueles que adoram Fawcett e acreditam que a City of Z foi realmente uma porta para um universo alternativo – um site anuncia expedições “ao mesmo portal ou porta de entrada para um reino que foi encontrado pelo Coronel Fawcett em 1925″.

Os mundos da arqueologia e da ciência podem levar mais tempo para reconhecer o explorador excêntrico. Mas, quaisquer que sejam as manias de Fawcett, ele parece ter sido amplamente correto. Além disso, sua memória será prolongada por uma adaptação cinematográfica de The Lost City of Z.

América do Sul - "História Oficial"



Pré-História

A América do Sul foi provavelmente o último continente do planeta a ser habitado por humanos, à exceção da Antártida. Segundo a teoria paleontológica mais consolidada, os primeiros habitantes do continente teriam chegado por terra, vindos da América do Norte e, antes disso, da Ásia por meio de uma ponte de gelo existente entre os dois continentes na última Era Glacial. Outras teorias, no entanto, especulam que a América do Sul poderia ter sido povoada por polinésios que teriam atravessado o Oceano Pacífico em jangadas de bambu.

As primeiras evidências de ocupação humana datam de 6500 a.C., por vestígios de agricultura: batata e feijão eram cultivados na bacia do Amazonas. Outros vestígios, de cerâmica, indicam que o cultivo da mandioca (até hoje alimento básico no continente) existiu desde pelo menos 2000 a.C.. Nesta época, já havia várias aldeias nos Andes e arredores.

Nos rios e no litoral (principalmente no Pacífico), consolidou-se a pesca, que ajudou a ampliar a base alimentar. Lhamas e alpacas foram domesticados a partir de 3500 a.C., servindo para a produção de carne, lã e como transporte.

Por volta do ano 1000, mais de dez milhões de pessoas habitavam o continente, concentrados principalmente na Cordilheira dos Andes e no litoral norte, banhado pelo Mar do Caribe. As demais regiões eram de povoamento mais esparso e nômade, como a Amazônia, o litoral Atlântico, o Planalto Central, o Altiplano, o Chaco e, finalmente, os Pampas, a Patagônia e o Atacama no chamado Cone Sul.

Civilizações nativas

Os chibchas ou muíscas foram uma das principais civilizações indígenas pré-incaicas, concentrados na atual Colômbia. Lá estabeleceram uma confederação de vários clãs (cacicazgos) com uma rede de comércio entre elas, além de ourives e agricultores. Junto com os quíchua nos Andes e os aimarás no Altiplano, formavam os três grupos sedentários mais importantes do continente.

A cultura Chavín, no atual Peru, estabeleceu uma rede comercial e agricultura desenvolvida a partir de 900 a.C., de acordo com estimativas e descobertas arqueológicas. Foram encontrados artefatos num sítio chamado Chavín de Huantar, a uma altitude de 3.177 metros. A civilização durou até 300 a.C..

Além destes e antes dos incas, houve outras civilizações (povos organizados em cidades, não em tribos e aldeias) sul-americanas, como os caral-supe ou Norte Chico (2500 a.C. - 1500 a.C., no centro do Peru), a cultura de Valdivia (no Equador), os moche (100 a.C. - 700 d.C., no litoral norte do Peru), a cultura tihuanaco ou tiwanaku (100 a.C. - 1200 a.C., na Bolívia), a cultura Paracas-Nazca (400 a.C. - 800 d.C., no Peru), o Império Huari (600 - 1200 d.C., no centro e norte do Peru), o Império Chimu (1300 - 1470, litoral norte peruano), os chachapoyas (1000 - 1450, na Bolívia e sul do Peru).

Outros povos importantes mas que não chegaram a ser civilizações eram os tupi (do litoral Atlântico à Amazônia), os guarani (na bacia do rio Paraná), os jê (na Amazônia e Planalto Central), os aruaques e caribes (no Planalto das Guianas e litoral caribenho), os mapuches (na Patagônia) e os aimarás (no Altiplano).

1100-1532: Ascensão do Império Inca

Originalmente, os incas eram um clã específico entre o povo quíchua (ou quéchua), que habitava os Andes. Estes eram uma civilização, de fato, na medida em que construíam e viviam em cidades (diferentemente dos indígenas da Amazônia e do Atlântico). Baseados em Cuzco, eles ascenderam ao poder e formaram um exército poderoso o suficiente para subjugar outras tribos e povos vizinhos, como os aimarás, os chibcha, os moche e os chavín, entre outros.

Enquanto a Europa vivia o período da Idade Média, os incas formaram um império que se estendia pela maior parte do litoral ocidental (Oceano Pacífico) do continente. Embora sem conhecerem a escrita nem a roda, os incas e os povos subjugados construíram um Estado altamente avançado, de administração centralizada, com sistemas de estradas, irrigações, cidades e palácios, e relações com os povos ao redor semelhantes às que havia entre os romanos e os "bárbaros" e "federados". O império era chamado de Tahuantinsuyu, ou "Estado dos quatro cantos do mundo".


Em 1530, o Império Inca estava em seu auge, com o imperador Huayna Capac. Este, no entanto, ao morrer deixou como herança um império partilhado entre seus filhos Huáscar (com o sul) e Atahuallpa (com o norte), o que ocasionou uma guerra civil entre os dois irmãos. Foi nesse contexto que os Espanhóis chegaram.